sexta-feira, 8 de novembro de 2013

PÁSSAROS SEM CANÇÃO - UM ROMANCE DE CORAGEM




O bom contador de histórias é aquele que, conhecedor de sua trama, faz com que o leitor/ouvinte se deixe suspenso na teia da expectativa montada pelo seu criador.

O Sr. Jards Nobre, natural de Quixadá, no Ceará, não obstante toda a formação acadêmica que lhe garanta segurança na sua escrita, parece mesmo ter herdado, esse dom de romancear fatos, desses conhecidos contadores de ‘causos’ que habitam os interiores do sertão cearense - dada sua invejável capacidade de prender o leitor nas suas expectativas deixadas ao fim de cada capítulo.

 O jovem escritor de que ora se trata, no entanto, traz em sua algibeira da mente histórias que não se lançam em qualquer roda de prosa, porque seu signo de provocação seria dissonante para ouvidos hipócritas, tão comuns na falseada sociedade dita batuta da moral e dos bons costumes.

O romance Pássaros sem Canção é, antes de tudo, um livro corajoso, universal, nascido em tempo de estação; é, por isso, fruto exótico, maduro, de gosto incomum dessa árvore quixadense, rara e espinhosa como o mandacaru.

Livro corajoso porque essa polêmica história de amor entre dois rapazes adolescentes, no interior do sertão nordestino, pode ser publicada em uma época onde a liberdade de expressão é garantia constitucional de ordem neste País; sobretudo quando as instituições garantidoras das liberdades individuais vêm sanando as omissões legais e ignominiosas deixadas ao longo do tempo na sociedade brasileira.

Livro universal porque carrega como tema o amor proibido, o amor que deve se sublimar e fenecer diante de dogmas, de regras preestabelecidas e incontestáveis para os que não têm medo de ousar.

Bernardo Guimarães, ao escrever seu romance O Seminarista, obra-prima do Romantismo brasileiro, ‘obrigou-se’ a matar a heroína da história bem como a enlouquecer o protagonista Eugênio, porque uma história de amor, a contrariar o celibato, seria escandalosa demais para ser aceita em uma época tão marcada pelos valores cristãos.

Adolfo Caminha, cearense como Jards Nobre, ao publicar Bom-Crioulo, não imaginaria que a  história de amor entre dois marinheiros, um negro e um loiro, de fim trágico, fosse lhe render a expulsão do cargo que ocupava na Marinha brasileira. De igual modo, notórias foram as angústias sofridas por Raul Pompéia, o que lhe levou supostamente ao suicídio, quando da publicação de O Ateneu, obra também naturalista, que disseca as descobertas sexuais das mais variadas, incluindo as homoafetivas, entre alunos de um respeitado internato.

O assunto, pois bem, não é novo; mas a forma como é posto, sim.

Pássaros sem Canção não é um livro de gueto, não é um livro de militância homoafetiva. A polêmica história desse amor proibido, embora seja o núcleo nevrálgico do romance, desemboca em outras sendas de relevante importância a desenharem o mapa de uma sociedade hipócrita, que salvaguarda as atitudes grotescas do fazendeiro capitalista Armando; que coroa a atitude complacente e submissa da mulher sertaneja Júlia; que conforma o destino fatal de jovens moças embrenhadas pela caatinga, como Corrinha e Adelina, à mercê de casamentos arranjados ante a falta de perspectiva trazida pelo semianalfabetismo e falta de outras oportunidades...

Se Pássaros sem Canção traz o agouro da tragédia em si, é por outro lado um banquete onde os instintos se entregam a mais absoluta liberdade, na clara alusão do zoomorfismo, tão própria dos naturalistas, de quem o Sr. Jards Nobre é um grande discípulo.

Todo o enredo é desenrolado, como agradável novelo de lã, por um narrador experiente, que vai montando seu quebra-cabeças e enfeitiça o leitor com a vontade de que a próxima peça seja colocada para que se tenha, por fim, a visão completa desse ‘árido-movie’, rodado entre juremas, estradas de chão batido e seixos, banhos de barragem, luares do sertão e aquele nó na garganta que só se desengasga com lágrimas sinceras.


É por fim, uma história de amor, que apesar de nascer em tempos de liberdade, não se pereniza. Como a flor do mandacaru, é espécime exótica incrustada por espinhos e de vida efêmera; mas prenúncio de boas promessas, pois traz em si o gosto da esperança.

Hérlon Fernandes Gomes

07 de Novembro de 2013.