quarta-feira, 4 de maio de 2011

Devaneio tropical em Paris


Aquele a caminhar timidamente entre os cafés da Rue Du Champs é Antônio. Ele prefere dias como este, de neblina fina a tornar cinzenta a atmosfera parisiense. Em dias assim, consegue ser mais imperceptível debaixo do impermeável oleado e sob o chapéu panamá. Ele lembra uma estampa conhecida do poeta português Fernando Pessoa.

Senta-se sozinho a uma dessas mesinhas discretas. Acende um cigarro e pede um expresso grande. Há casais apaixonados na festa de Paris, enquanto ele se amofina pelos cantos, a viver de inquietas suposições e desejos que não se corporificam do acaso.

Antônio procura uma novidade. Já perdeu seus vinte anos, já perdeu o magnetismo adolescente que lhe conferia o viço inovador. Poderia se embriagar de gozo entre beijos encomendados de uma trottoir, mas isso não inundaria sua sede, isso só desolaria mais ainda suas expectativas , pois nenhuma dessas pobres mulheres lhe dariam o gosto esquecido de coisas sublimes.

Recebera uma carta do Brasil. Nela, sua mãe conta de uma saudade inquietante, dando notícias de que as samambaias amarelaram e definharam pela falta dele.

Ele se concentra no amargo do café. Também sente saudades do Brasil, sente falta de tanta coisa... Pensa que na sua vida a sensação mais constante é sentir falta de emoções que não tocam mais sua alma com a mesma intensidade, com as mesmas nuances. Um coração uma vez habitado por um amor arrebatador jamais se acostumará à monotonia vazia de depois do fim.

Antônio gostaria de saber se se entregaria com o mesmo devotamento, se cegaria seus olhos e cairia nesse abismo apaixonado, sem se envergonhar em ser ridículo. O que ele faria com todas essas súplicas e carências exigidas por sua alma? Agradar à carne era fácil, mas sua alma era por demais exigente: não se contentava com uma rosa, queria uma primavera inteira.

Alguém lhe respondesse, por favor, se essa era uma inquietação mesquinha apenas dele, ou toda gente, em seus sonhos, está a suplicar por um amor que ilumine lacunas mudas de solidão.

Guardava para si esse melodrama, embora Piaf desfiasse no rádio o que ele um dia sentiu e desejou que fosse para sempre. Era a resposta à pergunta de outrora? Não era muito animador acreditar em destino.

Seu coração estava congelando naquele inverno parisiense.

No Brasil fazia calor. O Brasil era um lugar distante, era uma fotografia guardada na sua carteira, era um emaranhado de emoções que ele gostava de se embalar recordando. Talvez a saudade de lá fosse maior que as exigências de paixonites do seu coração. Talvez fosse tempo de retornar, talvez a vida fosse feita mesmo de compensações de emoções, numa equação em que a ausência de um amor tórrido devesse ser suprida pela saudade saciada do lar.

No Brasil, seu coração talvez volte a ser tropical.

Hérlon Fernandes Gomes
Guajará-Mirim/RO, 04 de Maio de 2011.

Para a amiga Rachel Alves Gomes, que de longe tem me irradiado energias felizes de libertação e recomeços.
Para meu amigo Danton, irmão de Rachel, que é um sol de alegria, mesmo por trás de qualquer nuvem cinza incômoda.