domingo, 6 de junho de 2010

Brejo Santo de Luto

A sociedade brejossantense está enlutada. Meu coração é negro e pesado de silêncio. A nossa cultura perde uma das personalidades mais importantes da nossa comunidade. Recebi há pouco a triste notícia de que Marineusa Santana falecera em Brejo Santo.
Conheci Dona Marineusa no início da década deste século, quando do lançamento do seu REMINISCÊNCIAS, obra paradigmática para a produção bibliográfica em nossa cidade. Digo isso porque depois da publicação dessa obra, parece que um gosto mais apurado por nossa história e nossa cultura foi resgatado e isso impulsionou para que muitas outras obras aparecessem.
Pois bem, adquiri o livro sem conhecer a autora pessoalmente, apenas de nome ou por "ouvir dizer". Qual foi a sorte de nos unir na idealização do Memorial Padre Pedro Inácio Ribeiro, no ano de 2003. Nossos laços se estreitaram muito e pude compartilhar com intimidade daquela memória e personalidade invejáveis.
Dona Marineusa escrevia sem pretensões. Detentora de um estilo livre e leve como o memorialístico, contando lembranças familiares, delineava nossa história cultural nas deliciosas entrelinhas de sua prosa. Acompanhei a publicação de A ESCALADA DO TEMPO, seguida do MEU UNIVERSO EM VERSO, tive o prazer de ver de perto o germinar destas obras. Dividimos muitas expectativas, desejos e questões sobre a cultura universal, sobre a cultura de nossa gente.
Dona Marineusa foi um ser humano muito espirituoso, de mente sagaz, humilde e também ferina na sua verve satírica, pois não tinha papas na língua para expressar sua verdade - isto lhe conferia sua autenticidade e, por muitas vezes, também lhe emprestava um quê de impertinente para com os ignorantes. Sua obra inteira foi patrocinada pelo suor de seu trabalho, temperada pelo seu profundo amor à escrita. É bem verdade que, escrevendo um estilo memorialístico, sua obra se importava muito com as coisas pessoais; mas isso de forma alguma desmerece sua totalidade. Seu amor pela história de sua gente era um ótimo pretexto para desencantar nossa história e nossa cultura e devemos a ela essa linha inaugural na literatura brejossantense no estilo memorialístico. Tive o prazer por acompanhá-la muitas vezes na arqueologia da descoberta da nossa história, visitando cartórios, sacristias, documentos familiares, tudo em busca de dados fidedignos na construção do que, para ela, era um ócio criativo.
Visitei-lhe quando de seu retorno de São Paulo. Fatídico retorno de um pesado tratamento de saúde. Reservada, como sempre, fugia do sensacionalismo que envolvia sua doença. Estavam ela e sua filha Neusinha. Fui oferecer-lhe um exemplar do meu GEMINIANOS, já que impossibilitada esteve para a noite de lançamento. Encontrei uma Marineusa mais enigmática, silenciosa, com um olhar meio distante. Parecia intimamente querer compreender tudo aquilo que lhe passava. Tinha fé, como sempre teve; mas não era mais a Marineusa menina que acompanhava os desfiles do Cabeção no raiar do dia, no Bar Kanal; não era a Marineusa a segurar no meu braço e me antecipar novidades do seu próximo trabalho; não era a Marineusa guerreira a lutar contra moinhos de ventos na luta útil em elevar nossa cultura. Durante todo o pesar de sua doença, comunicávamo-nos sempre pela internet, visitando seu site, trocando recados pela página de relacionamentos...
Estou reticente por constatar que ela partiu. Mas não me sinto em dívida por não ter depositado flores sobre seu caixão neste momento de despedida; porque ela já estava preparada para o outro mundo, para a verdadeira vida. Ela sabia e sentia a transitoriedade desta passagem e certamente agora vibra por reencontrar todos os seus, eternizados em suas memórias, nos álbuns de retratos que ela tornou públicos e que nos legou um resgate ímpar da nossa história.
Meus sinceros votos de pesar ao Sr. Raimundo, Roberto, Rosângela, Rogério, Neusinha e netos.

Hérlon Fernandes Gomes
Guajará Mirim - RO, 06 de junho de 2010.