segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Sr. Enigma


Ela olha para os olhos dele, mas só consegue fita-los bem quando não a encara profundamente, de um jeito que a desconcerta. E são dois portais impenetráveis, escuros, donos de um brilho encantador mas superficial.

Ele é um enigma. Ela tem medo de decifrá-lo, porque teme se descobrir novamente frágil, porque não sabe se juntou forças suficientes para travar batalhas já conhecidas... Ele é quente até nas palavras, e não deixa escapar uma réstia de luz do seu coração. Mulher sente quando homem está em outra. Embora se sinta desejada, embora se sinta uma companhia agradável, sabe que o coração dele está com o anzol em outros mares tão frios quanto os segredos dessa alma masculina inacessível.

Ela sabe que essa vontade de reconstruir a paixão desacreditada tem prazo de validade. Vai comer chocolates até quando seu cérebro puder ser enganado, porque sua alma em breve se cansará de entender o que parece querer ficar escondido, do que a parece reservar para um segundo plano... Porque ela agora só quer ser plena, porque ela agora só poderá ser o plano perfeito, porque ela agora não se contenta com as migalhas do banquete.


Hérlon Fernandes Gomes

27 de Outubro de 2008.

Para Dr. Jekyll e Mr. Hyde...

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

COMO UM SAMBA FELIZ DIANTE DO MAR

Dia de luz, festa do sol, o barquinho a deslizar no macio azul do mar...

Os dias agora se apresentam tomados dessa luz calma, que doura minha pele e aquece minha alma. O mar me balança com o sabor de um som agradável e eu consigo enxergar melhor as cores. Vou me abandonar das coisas capitais, da violência do jornal, pois também tenho direito de não me assassinar diante dessas coisas que, apesar de humanas, não me precisam pertencer nem servir de melodia para a trilha-sonora da minha vida.

A paixão que eu quero e preciso conhecer, apesar de ser paixão, não me tombará morto na praia nem precisará destruir ninguém. A paixão que desejo ensejará o caminho para o amor verdadeiro e somente me prometerá alívios constantes. Não, eu fugirei das coisas inexatas, das coisas incompletas, porque me saberei inteiro – ainda que só. Minha solidão não necessariamente me encarcerará, mas será uma terapia necessária, um encontro feliz de mim e as questões que serão logo preenchidas com as respostas que Deus me inspirar.

... Céu tão azul, Ilhas do sul e o barquinho é um coração deslizando na canção...

Gozarei agora as flores da primavera e minha nudez de corpo e espírito constará a verdadeira riqueza. Não, isso não é uma utopia; nem me furto da crueldade que parece imperar nos nossos dias. Há espaço para o sonho-real, é justo que o tempo nos permita ser além de um eufemismo.

Vou me permitir construir meu conceito de liberdade e isso traduzirá melhor as melhores sensações do corpo, a contemplação que minha alma fará diante da brisa, da noite enluarada, da felicidade que só me brotará lágrimas felizes diante de todos que enxergarei como irmãos verdadeiros. Não, isso não é tão difícil – apenas parece ser, porque não acreditamos o bastante, porque estamos trancafiados no nosso egoísmo, no fracasso que é esse falso-impossível.

A fé fosforesce como áurea sobre mim, porque Deus é o universo que me inspira e me faz crer e tocar nestes dias que se anunciam agora e contaminam-me com a melhor das energias e te contaminam através dessa vontade que se transforma em oração.

...Tudo isso é paz, tudo isso traz uma calma de verão e então o barquinho vai, a tardinha cai...

A dor só existirá para se transformar num aprendizado engrandecedor; a fome despertará para lembrar que pode ser saciada num gesto simples de doação; o medo somente habitará para que procuremos o alívio dentro de nós mesmos, na crença de que podemos ser o que quisermos ser. Como um samba feliz diante do mar.

 

Hérlon Fernandes Gomes

P.S.: Para minhas irmãs, Heloísa e Helaine, que só me inspiram coisas de luz.

(ORIGINALMENTE PARA A COLUNA DO www.caririfest.com)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

BOA NOITE, ANONIMATO ANTIGO

Hoje, não há espaço para indiferenças que penso que outros alimentem sobre mim, nem ódio ou coisa parecida. Se existem, há coisas melhores para me concentrar... Como o nosso olhar, que revelou a surpresa desta noite. É mesmo coincidência dois desconhecidos se encontrarem tantas vezes, em tantas inusitadas ocasiões que nos façam concentrar os olhares? Eu percebi a maneira como me olhavas nesta noite e sei do teu desconcerto diante da minha presença... Eu também quis saber a essência do teu perfume, por isso insisti na minha investida diante do teu vexame. E eu te livrei de tudo aquilo, eu consegui fazer com que o garçom te entregasse o número do meu telefone. Aguardei ansioso que não rasgasses o papel e vibrei ao ver que o guardaste no bolso. Até aí, as cervejas da noite já tinham me encantado e eu nem sei mais o tamanho e sabor da ânsia que me consumia... Passei a construir como seria a nossa proximidade. Tremi quando o telefone tocou.
Nós já éramos íntimos e não sabíamos. Tuas palavras tinham o timbre que eu imaginava e eu já sabia certo o nosso encontro, não me senti como a lua cheia em pleno meio dia.
Cheguei perto de ti e já te adivinhava as vontades. Não titubeei diante dos teus lábios que se mediram e se tocaram com os meus sem necessitar de nenhum gesto ensaiado. Arrepiei-me, arrepiamo-nos... E foi um beijo tranqüilo, apesar de clandestino, numa rua de nenhum vivente além de nós, nesta noite quente de outubro... Eu te quis roubar para dentro de casa, tu querias me consumir ali, arrancando-me os botões, transformando-nos em vultos desta madrugada enfeitiçada...
Não dormirei facilmente... Acreditarei nas coisas que me disseste sobre meu sorriso, nas coisas boas que me fizeram sentir inteiro, nas coisas plenas que me fizeram desejar mais de ti.
Não mais olharei tanto para dentro de mim. És um mundo que eu não esperava encontrar, és a mentira que eu nunca quis acreditar. Meus sonhos certamente serão os melhores. Desejo o mesmo para ti. Boa noite.
Hérlon Fernandes Gomes
Crato - CE, 18 de outubro de 2008. (Madrugada)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

DEPOIS DA FESTA (SALVEM AMY WINEHOUSE)

E a festa tem a quentura dos holofotes, o contato físico com a multidão que se aglomera misturando perfumes, dividindo vontades. Os olhares se pescam no tempo... Eu já perdi a conta de quantos uísques me rendem a vontade de te possuir, apesar das bocas desconhecidas que beijei nesta noite agitada. O cigarro me ajuda a adormecer as carnes, a sentir melhor esta madrugada nascente.
Volto só para casa. Amy Winehouse acompanha-me no som do carro. O vento frio é luxo no Cariri... Por isso me demoro mais pelas ruas, intercalando soluços de bebida, pensando no que sou nesta noite, nas coisas que eu gostaria que não fossem tão fugazes... Em casa, espalho as roupas pelo chão. Minha nudez me acompanha até o bar: dois dedos de uísque e muito gelo, mais um cigarro. Salvem Amy Winehouse... Preciso de um banho, talvez para me lavar do desejo do teu batom, da tua quentura que agora me incendeia, dos nossos olhares que navalhavam entre as mil cabeças que nos separavam.
Não é o cigarro quem vai me acabar; nem o álcool, que me acalma do desmantelo da tua presença... Isso não é um melodrama – eu odeio ser um melodrama. Quero que minha alma fique sóbria; mas hoje eu precisaria me embriagar de ti para fugir de vícios acessórios... Salvem Amy Winehouse... Nenhum café me livraria desse feitiço; nenhuma cama me aliviaria, pois nenhum sono me convida. Ninguém comanda o que se sente. A gente mente. A gente finge o desconcerto num trago de cigarro; desvia o olhar, enquanto afoga a verdade no uísque... I told you I was trouble...
Salvem Amy Winehouse... Porque eu finjo que não me consumo, porque ainda provarei outros sabores que, embora não me saciem, ajudam a me esquecer dessa sede imorredoura. Back to black... Meu luto me pertence... Mas meu riso é o que aparece, essa felicidade que me visto, essa tranqüilidade que me faz parecer inteiro – menos diante dos teus olhos.


P.S.: Crônica especialmente escrita para minha coluna do site Caririfest. (www.caririfest.com.br)