sábado, 16 de agosto de 2008

A RESPEITO DO AMOR...


Ultimamente tenho tido bastante insônia; acho que tenho bebido muito café... As noites insones são bem mais solitárias... Ao revirar-me na cama, começo a pensar sobre inúmeros assuntos, além de fazer uma análise sobre minha vida e a dos outros. Dentre tantas coisas que poderia escrever, além de corrupção, violência, fome...
Tenho uma dívida de gratidão para com meus leitores; já estamos tão cansados em ser bombardeados pela metralhadora insana que vêm sendo as imprensas televisiva e escrita; falta poesia no mundo, falta esperança para nós humanos. Comemos o pão de hoje suando o de amanhã. O tempo não pára e a gente permanece despido de qualquer coisa que não seja absurdo.

Pois bem, falemos do amor! Será que é preciso estar enamorado para falar sobre o amor? Penso que não; mas o amor é sem dúvida o sentimento-objetivo, é nossa missão-mor. Aqui não há espaço para paixão, essa coisa doentia, que pela própria etimologia nos remete à tradução de sofrimento. Paixão vem do latim passio, que significa literalmente sofrimento. A paixão de Cristo remete à sua consternação no calvário. O amor é o estado evoluído da paixão, é firme, é incondicional, é generoso.

Sinceramente, acho que se todos vivessem um grande amor, o mundo estaria tão diferente. Por que banalizaram tanto esse sentimento? Tacharam-no de brega; atribuem-lhe outros sinônimos: dinheiro, conforto, sexo. Convenhamos que cada um dos itens anteriores é perfeitamente desejável e nos possibilita uma felicidade considerável. Mas um relacionamento sustentado apenas em valores supérfluos, certamente incorrerá no insucesso, na infelicidade certa, como uma casa de gelo que não contava com a chegada do verão.
O amor é riso, é espírito, é arrepio na pele e a gente sente realmente que é útil diante da vida; cada um sente a missão reservada, um motivo justo para labutar nesta existência, tão passageira, mas que nem por isso deixa de ser menos bela.
Conto as horas que me separam do meu amor... Sinto uma profunda necessidade de estar ao seu lado, comungando o mesmo ar, rindo das mesmas bobagens, sem fazer absolutamente nada; mas, pelo trivial motivo de estar ao seu lado, adquiro grandeza e penso em Deus. Amar é um estado superior, um transe, um momento cheio de vertigem – como a agradável sensação do lança-perfume no domingo de Carnaval... Ridículo isso, não? Ridiculíssimo! Que o diga Fernando Pessoa com todas as suas cartas de amor ridículas! E mesmo assim, quem nunca o foi, quem não é, quem não quer ser?
Minha cama parece ser mais macia quando amo; meu sono é sem dúvida sem sonhos, já que meu maior sonho respira ao meu lado... Quão bestiais somos! E quantas bobagens também realizamos...
O ser humano que não ama é amargo e tem maiores probabilidades de morrer de câncer, de encruar como uma fruta deficiente que perde o viço por conta do travo, do amargor, do azedo. Esqueçamos um pouco que somos políticos, somos burocratas, capitalistas, entes globalizados. Lembremos que podemos sorrir, que o beijo faz bem e que o amor gera a vida. Ai, ai... Coisa boa é sentir saudade; é ter alguém para silenciar o nome baixinho em nossos pensamentos, alguém para quem ligar ao acordar de um pesadelo, alguém com que sonhar e fazer inúmeros planos. E eu aqui, completamente ridículo, como todas as cartas de amor... também ridículas; mas estupidamente, satisfatoriamente FELIZ!

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado originalmente em 2005, na minha coluna do extinto AGENDA CARIRI.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O GOSTO AZEDO DA TRAIÇÃO


A palavra traição soa em meus ouvidos como navalha cortante, cilício arquejante na pele do Salvador. Falo especificamente da traição amorosa, da incapacidade humana de satisfazer seus instintos com uma única pessoa. “Quem ama, não trai”. Até que ponto esta premissa é verdadeira? “O que os olhos não vêem, o coração não sente”.
Quando a gente ama verdadeiramente, existe uma porção de sentimento intocável, inabalável, protegida de toda e qualquer corrupção. Essa parte não se modifica, não se diminui na eventualidade de uma traição. Quando se ama de verdade, o objetivo da traição é meramente instintivo.
Mas, vale a pena trair? Isso é tão relativo...
A traição é fugaz e, para quem sofre de crise de consciência, certamente carregará consigo o peso de um crime. Não vou bancar o puritano e incluir-me no rol dos santos. Já traí, sim, e nas vezes que isso me aconteceu, senti-me o próprio Judas, ainda que tenha presenteado meus instintos com todos os prazeres carnais.

A traição tem o gosto azedo e parece feder quando retornamos aos braços de quem amamos. Tem o sabor de uma bela roupa alugada, um doce pequeno que logo se acaba, uma falsa jóia. O beijo traído é insípido; o sexo, animal – sem sublimidade, sem entrega de espírito, mecânico...
Beijo bom é aquele dado em quem se ama: morno, molhado, arrepiante. Sexo bom é aquele realizado com quem se ama: quando somos cúmplices e desejaríamos todo o tempo do mundo para permanecermos abraçados, como se o mundo nos pertencesse.
Quando se ama de verdade, a traição é um erro; às vezes passível de perdão. Por que arriscar o estável, o certo? Por que se contentar com um petisco, se você tem um banquete em casa?
A fidelidade é, sim, a maior prova de amor; pois mostra que o casal se basta, está completo. Quem é fiel, compreende, é amigo, companhia agradável sempre.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado originalmente em 2005, na minha coluna no extinto AGENDA CARIRI.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

ENSAIO SOBRE A LOUCURA

Penso que todos nós em algum momento duvidamos da própria lucidez. Estamos constantemente sendo provados, assolados por dúvidas acerca da veracidade das coisas, de fatos. Por que será que existo? Por que preciso viver esse momento? E, a questão das questões, aquela que divide toda a humanidade: Quem é Deus?
A humanidade está dividida entre os que acreditam nesse Ser e nos que ignoram totalmente a existência dessa força que tudo comanda. Os que crêem, o fazem e pronto; levam uma vida tranqüila, resignada — arriscaria dizer que até mesmo mais feliz. Os que não acreditam, pensam que esta vida é curta e, por isso, passageira — vivem impetuosamente. Mas ainda há aquele rol dos que simplesmente duvidam e tentam buscar uma resposta exata para uma pergunta que ninguém respondeu — esses geralmente acabam frustrados, são chamados de loucos e poucos dão crédito a seus comentários.
Hoje, pela manhã, assisti a um depoimento de uma astronauta sobre a emoção de ver a Terra lá de cima. Ela disse que quando estamos embaixo, temos a sensação de que nós somos o mundo, de que o que realmente importa são as nossas questões, os nossos sofrimentos e o enfrentamento diário que envolve os homens. Vendo a Terra de cima, à cerca de quatrocentos quilômetros da atmosfera, contemplando o silêncio absoluto, temos a nítida certeza de que este planeta é a única coisa que nos resta.
Abaixo desta fina camada, que se chama atmosfera, temos a vida se espalhando entre oceanos, florestas, grandes metrópoles; acima dela, apenas o vácuo! E de lá de cima é possível ver o sol se pôr e nascer dezesseis vezes, a cada uma hora e meia. Parece, pois, que alguma força incógnita, invisível, tudo comanda, misteriosamente, secretamente, constantemente... E nós, meros mortais, estamos ocupados demais em novas tecnologias, em retardar a velhice, vencer a morte.
Lá de cima, a Nave-mãe é quem assume o posto de pequenez e a paixão não correspondida de inúmeros humanos, a corrupção, a violência, a criança que acaba de nascer, uma nova espécie de flor a ser descoberta... tudo isso está alheio; pois a Terra, vista lá de cima, é única e pequena, assim como somos para tentar compreender a identidade de Deus.
O mistério da vida é o que mais me intriga. Penso que, para viver princípios harmoniosos, precisamos admitir o nosso status de pequenez e buscar aproveitar a felicidade que essa existência nos proporciona. Diante da perfeição que é o universo, nada mais nos surpreenderia e eu tenho no mistério a resposta para as questões jamais respondidas.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado originalmente em 2005, na coluna que me pertencia no extinto AGENDA CARIRI.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A FILHA DE JESUS


Nome: Sara Saint-Clair
Pai: Jesus Cristo de Nazaré
Mãe: Maria Madalena
Naturalidade: França (antiga Gália)

Dan Brown, autor de “O Código Da Vinci”, está causando alarde com seu best-seller. O livro é um sucesso de vendas, cerca de 25 milhões de exemplares em todo o mundo! No Brasil, o livro está na lista dos 10 mais vendidos há cerca de 40 semanas. Qual a receita do sucesso? Os supostos segredos escondidos pelo Vaticano.
O Priorado de Sião era uma sociedade secreta, que teve como grãos-mestres os gênios Leonardo Da Vinci, Sir. Isaac Newton, Boticelli, Victor Hugo, entre outros. O objetivo dessa sociedade seria guardar uma relíqua, que mudaria todos os rumos da humanidade. O tesouro: o Santo Gral.
Conforme dados históricos colhidos pelo autor, como por exemplo alguns trechos dos controvertidos Manuscritos do Mar Morto e evangelhos que não figuraram no compêndio, que hoje é a Bíblia Sagrada cristã, o autor faz uma reviravolta sobre a vida de Cristo.
Segundo a narrativa, por Cristo ser judeu, necessariamente precisaria casar, ter uma prole, já que os preceitos judaicos assim delimitam. 
Jesus Cristo, descendente direto do Rei Davi, teria desposado Maria Madalena, descendente direta do Rei Salomão. 
Mas Maria Madalena não foi a prostituta a quem Cristo nos ensinou a lição do “atire a primeira pedra aquele que não tiver pecados!”? Tese polemicamente desmistificada  pelo Código Da Vinci...
Ao fundar o Cristianismo, em 423 d.c., um dos objetivos de Constantino foi eliminar o Sagrado Feminino da história da religião. O próprio Cristo teria deixado instruções expressas para que Maria Madalena fundasse sua Igreja; mas por machismo, intolerância ao feminino, o masculino vai eliminar e banalizar a figura de destaque da mulher na sagrada escritura.
O Santo Gral não seria o cálice sagrado em que Cristo serviu vinho aos apóstolos na última ceia. O Santo Gral, na verdade, seria uma transformação de Sangue Real, equivalente ao mausoléu de Maria Madalena, contendo ainda um diário pessoal escrito por Cristo e outro por Maria Madalena. 
Todo esse tesouro vem sendo guardado por tempos longevos pela Ordem dos Templários e escondido inúmeras vezes pelo Priorado de Sião, que teria ordens expressas para revelar o segredo na virada do segundo milênio para o terceiro.
O livro não deixa de ser convincente, ainda mais por não pôr em xeque a santidade de Cristo. Cristo é santo, isso é o mais importante; e para ter sido santo ele não precisou renunciar sua vida de humano; aliás, desde quando amar é pecado? 
Da Vinci, o maior gênio da história da arte, antipatizava a Igreja Católica, mas mesmo assim recebia encomendas para pintar motivos sacros; em todos eles teria deixado códigos que nos remetem a esse segredo: a verdadeira identidade de Cristo. À direita de Cristo, na Última Ceia de Da Vinci, está sentada Maria Madalena e uma pseudo-mão, aparentemente de São Pedro, ceifa o pescoço da esposa de Cristo - dando mostras da eliminação da importância da figura feminina na história sagrada; sobre a mesa, não há o Santo Gral, mas treze taças...


Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado originalmente em 2005, na coluna que me pertencia no extinto AGENDA CARIRI.

sábado, 9 de agosto de 2008

NIETZSCHE E CLARICE LISPECTOR DIVIDEM UM CIGARRO


“Faço votos que os intelectuais não entendam”.
Você já duvidou de sua lucidez? Você já se perguntou se realmente está com a razão, quando pensava realmente tê-la? O que é a verdade para você? O que é o amor? Como é ser amado? Qual a sensação da felicidade na pele, no pensamento? Até que ponto seu ciúme deixou de ser saudável e passou a ser loucura? Até que ponto todo o intelecto que você adquiriu durante seus vinte anos de estudo pode ser considerado irrelevante em uma mesa onde se discutem assuntos triviais?
Nietzsche me diz: “E assim fazem todos os fracos: perdem-se no caminho. E seu cansaço acaba por perguntar a si mesmo: ‘Por que seguimos este caminho? Tudo é tão igual!’”
Hoje estou muito reticente... Disseram-me que estou me perdendo num caminho sem volta... Mas que bobagem! Apenas busco um norte, por mais que não saiba por onde esteja andando, todavia não me sinto perdido. Por essas veredas pretendo encontrar algo, ainda não exato, mas que me devolverá o sentido que perdi, não sei onde; talvez entre a infância e adolescência, quando me apercebi da existência da morte, quando descobri o amor e os prazeres da carne.
Tudo é tão igual... Tudo é tão igual... Definitivamente não quero ver a vida passar e apenas bocejar de preguiça, de cansaço, enquanto esse espetáculo misterioso desfila diante dos meus olhos. Louco? Irresponsável? “Você precisa ter cautela, esses caminhos podem ser perigosos!”, “Mas, se conselho fosse bom, ninguém dava: vendia!”. Por que todo esse medo? Ando no lombo da vida, ela é minha cria, sou seu veículo apenas.
Tristes daqueles que não ousam, que não se arriscam em tentar ser felizes mesmo onde só enxergam imperfeição. O sabor da vida é descobrir o doce da fruta debaixo da casca áspera, feia, enegrecida. O mel da vida pode estar muitas vezes no beijo carinhoso, no meio da noite, embaixo das cobertas, no silêncio, sem nada de público, nada de político, nada de dialético... Essas bobagens foram inventadas pelos mal-amados. O amor e a felicidade não se expressam através de nenhuma língua específica, não possuem um idioma, um código numérico; essas coisas brotam da alma.
A noite está solitária. Queria não desperdiçar meu tempo com grandes questões. Quisera eu permanecer isolado... Isolado de quê mesmo? Isolado da hipocrisia humana, do medo mesquinho, da infelicidade gratuita dos homens sem alma; mas eu não consigo. Resta-me ser profano (?) e gargalhar descaradamente, como se risse da própria morte. Aliás, não me imagino morto, a idéia de eternidade sempre me acompanhou como uma certeza, algo concreto que se come, sente-se o gosto.
Hmm... Sono? Dor de cabeça? Quem está com a razão? O que é a razão? Os ignorantes são mais felizes.
Hoje em dia, prefiro não ouvir conselhos, por mais que os mesmos me tentem, por mais que eu possa imaginar que um outro alguém possa estar com a razão e me mostre um atalho para o sonho. Prefiro acertar ou errar por mim mesmo, prefiro juntar minhas próprias cicatrizes e exibi-las como troféu do meu aprendizado, diante da vida. Sim, a vida, esse sopro de Deus, essa coisa que os homens levarão uma eternidade buscando a fórmula até serem vítimas da própria curiosidade, assistindo, como zumbis, à própria destruição.
Porque, meus amigos, tudo passa tão rápido que, se procuramos traçar um perfil metódico para toda a nossa existência, num lampejo veremos que de nada adiantou tanta cautela, tanto medo, tanto senso em se guardar quando, na verdade, tudo o que provamos foi um prato insosso, doente... E aí já não há mais tempo, tempo pra nada; nem mesmo pra curtir sua eternidade, já que você não acredita nela.
***
Para finalizar, Clarice recita Nietzsche: “‘Para os puros tudo é puro.’ Assim falava o povo. Mas eu vos digo: Para os porcos tudo é porco!”

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE.
P.S.: Publicado em 2005, na coluna que me pertencia no antigo AGENDA CARIRI.

Auto-retrato (Agosto 2008)

Um cigarro, uma dose de rum, a madrugada...
Três companhias íntimas,
Três presenças que me suportam.
Crio meu próprio ambiente,
Torno você mais íntimo de mim
E procuro refúgios encantados.
Eu nunca me direi totalmente,
Terei sempre a minha fuga,
Terei a verdade que escolher.
Esqueci do sono esta noite,
Para ficar mais junto de mim,
Para me perder em minhas questões.
Não há mais ninguém que me domine as horas
- E isso é tão livre, e isso é tão leve...
Sinto minha quentura, sinto minha vida...
As coisas estão deixando de ser vazias,
Tenho me alimentado mais de fé.
***
Alguém me disse, na mesa de bar, que me entende...
As luzes estão ficando mais agradáveis em meus olhos,
Estou com vontade de sorrir freqüentemente.

09de agosto de 2008

Hérlon Fernandes Gomes
P.S.: Em homenagem às coisas boas que acontecem em minha vida.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

DEVANEIOS COM CLARICE LISPECTOR

É quase meia-noite. Sinto o sono aproximar-se de mim, vindo sorrateiro, hipnotizante, comprimindo minha alma, confundindo minha mente, desenterrando sensações e medos que não quero mais possuir.
Tudo é déjà vu, sinto vertigem. O ciúme corrói o amor-próprio e já me vejo insano, procurando definir a minha verdade, estabelecer uma medida exata até onde era lucidez e passou a ser loucura.
Fito-me no espelho. Vejo-me belo, atraente; imagino-me sendo desejado por quem não conheço, imagino-me íntimo de vultos que apenas tive contato através de fotografias e que procuro descobrir coisas absurdas a respeito dos mesmos: a comida preferida, o perfume natural, a intimidade, o banho, o sabor do beijo... Imagino-me amado como nunca fui, sendo desejado ardentemente por alguém que até mesmo seria capaz de matar ou morrer por mim... Sim, é quase um melodrama. Estou triste.
Começo a chorar copiosamente, débil, vendo-me como a mais triste das criaturas por ter perdido o ser amado. O travesseiro encharca-se do meu pranto e eu desejo ardentemente que tenham piedade de mim, que me notem, que corram em meu auxílio.
Novamente quero ser desejado por alguém que me idolatre, que me diga o quanto sou importante. Atinjo o limite do que chamo sobriedade. Agora pareço ridículo. Espanco meu próprio rosto, insulto-me, acho-me feio, começo a ter vergonha de mim mesmo.
Imagino-me tendo dons! Se eu fosse um ótimo cantor! Se fosse um belo dançarino, um pianista, um escritor famoso! De repente a fama me atrai! As badalações proporcionar-me-iam um bem tamanho! Eu teria a felicidade?
Ah, a felicidade... Essa poção mágica feita de não sei o quê, que se encontra em não sei onde... O sono pega-me. Estou dominado por uma força superior que me carrega vagarosamente, pesadamente num azul frio que vai escurecendo pouco a pouco. O silêncio toma-me de maneira progressiva. Estou no poço dos sonhos.
Sei que não sinto dor. Consigo perceber o cheiro de um perfume preferido que usei no passado. Vejo perfeitamente as cores e concluo a grande mentira: os sonhos são em cores, não há nada de preto e branco. Acho que só os infelizes possuem sonhos apagados...
Sou medroso até mesmo sonhando; não consigo realizar tudo o que desejo. Tenho medo de quê? Sinto-me em outro plano e não temo a morte. A morte... a morte... a morte – o oposto da vida. Alguém muito célebre teve essa simples conclusão de que a morte é justamente o oposto da vida. Tento lembrar-me de quem foi. Não consigo. Se a morte é justamente o oposto da vida, então a morte não é tão misteriosa quanto se imagina. Tema pouco atraente para uma hora de sono. Melhor mesmo é pensar no infinito.
Sou quase egoísta; nada me satisfaz completamente. Ainda quero alguém só pra mim, ainda preciso acreditar no amor como um antídoto para todos os problemas... Ai... O dia está amanhecendo, alguém bate na porta. Não queria acordar! Uma preguiça estonteante abate-me na cama. Ouço o tic-tac do relógio e torço para que o tempo se demore a passar para que eu possa vencer essa preguiça que se espalha sobre mim, entranhada em meus cabelos, sobre meu corpo nu arrepiado pelo frio matinal.
Calo-me. Penso em tudo. Quase tenho medo de mim mesmo.

Hérlon Fernandes Gomes, Brejo Santo - CE P.S.: Publicado em 2005, na coluna que me pertencia no antigo AGENDA CARIRI.